O preço da vida mal vivida: um conselho sombrio

O soneto “Último conselho”, do poeta Miguel Júnior, é como uma advertência sussurrada na beira do abismo. Há nele o tom de um sábio cansado, que já viu demais e sabe o suficiente para avisar — mesmo que ninguém o ouça. A vida, aqui, aparece não como dádiva ou esperança, mas como caminho perigoso onde o erro cobra caro e a arrogância cobra mais ainda. Trata-se de um poema curto, clássico na forma, mas profundo em sua crítica à imprudência humana.

Uma forma antiga, uma mensagem atual

Miguel Júnior escreve dentro da tradição do soneto italiano: dois quartetos e dois tercetos, com versos decassílabos e rimas bem construídas. Esse formato — que nos lembra Camões e os mestres da lírica portuguesa — dá ao poema uma solidez que contrasta com a incerteza da vida que ele descreve. A estrutura clássica funciona quase como uma moldura austera para conter o caos que o texto anuncia.

Mas não se engane com a forma: o conteúdo é direto, atual e inquietante. Logo no primeiro verso, o poeta fala em um “final taciturno e temerário”. Ou seja, um fim escuro e perigoso. Fala-se de um destino que “tarda a ser traçado” — a vida sem rumo — e de um desencanto que já nasceu com a gente. A frase “vida boba, tu és um sumário” soa como crítica e lamento: viver, por vezes, parece uma sucessão de erros resumida em algumas páginas.

O peso das escolhas

Nos versos seguintes, o poema passa de constatação à advertência. Quando a “folia se tornar um cárcere”, diz o poeta, é sinal de que a liberdade virou prisão. O “ombro paterno” ausente pode ser lido como falta de amparo, de autoridade, de orientação. E se o bom senso for rejeitado? Resta um “passado de cadáveres”. Aqui, o autor é direto: "quem vive sem prudência acumula perdas irreversíveis".

Os tercetos que fecham o soneto são ainda mais sintéticos. “Do riso à dor”, a vida ensina — só que tardiamente — que tudo tem preço. Se abrimos portas demais para o orgulho, ele ganha “voz sombria” e nos guia ao tropeço. Não há redenção fácil, não há desculpa: "os tropeços são o saldo de uma vida inflada demais de si mesma e vazia de reflexão".

Um poema que ensina sem pregar

O mais interessante no texto de Miguel Júnior é que ele "ensina sem moralismo". Não há tom professoral ou religioso. Há, sim, uma sabedoria amarga, talvez adquirida por experiência. O “último conselho” é quase uma súplica: pare, pense, ouça antes de errar. E se errar, entenda que a vida cobra.

Esse tipo de poesia — com pés fincados na tradição e olhos voltados para o presente — é rara. Ela não grita, mas ecoa. Não é imediata, mas permanece. “Último conselho” é um poema breve, mas deixa marcas. E talvez isso baste.


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