O Essencial Basta: poesia como resistência sensível
Na tradição da poesia brasileira, há momentos em que o verso se ergue não apenas como forma estética, mas como instrumento de lucidez diante do caos. O poema “O Essencial Basta”, de Miguel Júnior, surge precisamente nesse registro — um soneto que recusa a grandiloquência, propondo a delicadeza como gesto transformador.
Um “céu de sangue”, imagem ambígua, que conecta “paz e guerra” e desaba sobre “ruas esburacadas”. Este cenário urbano em colapso evoca um tempo de crise — social, política, talvez espiritual. É neste espaço degradado que a poesia “tropeça na escada”, metáfora que sugere a dificuldade do fazer poético diante da barbárie.
A ideia de que a vaidade “erra e ferra” aponta para o desvio da poesia quando contaminada pela superficialidade. A crítica é tanto estética quanto ética: a cultura se perde “na estrada” não só por esquecimento, mas por desvio de sua verdadeira vocação.
Os “irmãos de versos” não precisam se elevar a uma condição mitológica. Não é necessário trilhar “a via confusa dos deuses” nem assumir a fantasia heroica de um “guerreiro medieval”. O poeta contemporâneo, segundo o eu lírico, não se define pela glória, mas pela capacidade de contemplar e ousar transformar a vida com a pena — doce, sensível, firme. A poesia é aqui um festival: lugar de comunhão, invenção e resistência.
Miguel Júnior reafirma neste soneto o papel ético e sensível da poesia em tempos fragmentados. “O Essencial Basta” não apenas denuncia a perda de sentido na cultura contemporânea, mas propõe, com leveza e coragem, uma alternativa: a criação como gesto de contemplação e transformação. Numa época em que tanto se grita, o poeta opta por dizer com firmeza, sem ruído. E isso, talvez, seja mesmo o essencial.
Boa leitura!
0 Comentários